Sobre mim

sábado, 22 de setembro de 2007

São João


Quando eu estudava no Imaculada Conceição tinha uma colega de classe que tinha síndrome de Down.
Ela era bem maior que a gente, acho que devia ser mais velha, mas ela acompanhava as aulas, conversava, ria, era simpática. Tinha um andar esquisito e a voz era atrapalhada, mas nada demais.

Eu não sabia que estava fazendo uma coisa tão importante assim em dançar com aquela minha colega, que tinha isso demais?

Só muito mais tarde fui entender o preconceito que existe com relação às pessoas especiais, e sempre que vejo alguma menina assim, me lembro daquele São João.
Onde andará aquela menina?



Quando chegou o São João a professora mandou formar os pares para ensaiar a quadrilha. Gente !!! eu adoro São João, diga-se de passagem ... mas então ... e aí ninguém queria formar par com a menina (não lembro o nome dela) e ela começou a chorar.
Eu já tinha o meu par, mas mesmo assim falei para a professora que eu dançava com ela.
Pronto, a professora ficou aliviada e a brincadeira começou.


No dia da festa ... ai a festa, eu adorava aquela festa! ... minha mãe me arrumou toda bonita de roupa de caipira, a menina fazia papel do homem e foi de calça comprida. Até hoje adoro uma quadrilha, bom demais da conta !!!!
Gente, mas foi um aparato tão grande da família dessa menina comigo que eu fiquei assim sabe como? fiquei sem entender nada.
Depois que dançamos a quadrilha foi tanto abraço, tanto agradecimento, tanto confete que eu fiquei sem graça. Até aí eu ainda não sabia que estava fazendo uma coisa assim tão fantástica.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Rabiscos na Janela


Nossa casa não tinha quadros nas paredes, minha mãe não gostava de jeito nenhum, não admitia, detestava. E também não tinha porta-retratos, ela também não gostava, não permitia, não queria de jeito nenhum. Nossas fotos eram guardadas em uma caixa de sapato, e se eu falasse em colocar alguma foto em um porta-retrato, ai era um drama, "nem pensar!".

Quando a gente é criança a tendência é a gente "chupar" tudo o que aprendemos com os nossos pais, tudo o que vemos eles fazerem a gente aprende, copia e sente igual. É ou não é? é sim, principalmente naquela época, tudo o que os pais da gente diziam era lei, a gente absorvia e achava natural seguir aquelas coisas, sem questionar porque questionar dava um ar de insubordinação, de pecado, de desobediência, e isso eu não queria de jeito nenhum, eu que tinha um amor tão grande pela minha mãe, jamais queria que ela pensasse que eu queria pensar algo diferente dela. Durante toda a minha infância tive um processo simbiótico muito grande com a minha mãe, eu pensava que eu e ela éramos uma mesma pessoa, e por isso eu respirava tudo o que ela respirava, sentia tudo o que ela sentia, vivia tudo o que ela vivia. Então o natural era que eu tivesse crescido sem gostar de quadros, porta-retratos e todas essas coisas. Mas ...

... mesmo assim, com tudo isso, tinha certas coisas que meu lado subversivo me atormentava, oras bolas por que todo mundo tinha quadros nas paredes e eu não podia ter? e os porta-retratos? eu achava lindos os porta-retratos com aquelas caras sorridentes e tinha mó vontade de ter uns pela casa também. Mas ... fazer o quê né?

De vez em quando eu tentava, até me lembro de uma cabeça de cavalo de cacos de vidro que eu fiz na escola e falei pra ela que a professora tinha mandado pôr na parede. E ela pôs. Peguei ela !!!!

Pois é ... eu adorava quadros nas paredes, adorava riscar tudo o que eu via, meus cadernos eram todos grifados, desenhados, rabiscados.

Um dia eu estava sozinha em casa, todo mundo tinha saído, não sei de onde saiu aquilo na minha cabeça, mas eu me lembro que rabisquei com desenhos todo o vidro da janela do meu quarto, todinho, todinho, com caneta bic mesmo, ficou lindo. Ora, mas eu já sabia que minha mãe não gostava, por que cargas dágua eu pensei que ela ia gostar daquilo? pois é ... mas eu pensei, pensei que ela ia achar lindo também do mesmo jeito que eu estava achando.

Quando ela chegou da rua, pense !!! levei uma bronca daquelas e ainda tive o castigo de limpar tudo na mesma hora. Ô decepção !!!

Quando fui crescendo fui dando a volta nela, e logo logo a nossa casa tinha vários quadros nas paredes, e ... é claro, porta-retratos também. No começo eram pouquinhos, foi tudo aos pouquinhos. Hoje, a casa da minha mãe é apinhada de quadros, a maioria de minha autoria, e cheinha de porta-retratos, a maioria com fotos do Lucas.

Aprendo com isso que a vida da gente não precisa ser moldada pelos pais da gente, por mais que gostemos deles. Essa não é a única coisa que consegui mudar na minha mãe, muitas coisas consegui fazer ela enxergar, crescrer, se abrir para o belo e para a vida. É claro que tem o ponto positivo dela, porque tem muita gente que não consegue mudar, não muda e pronto.
A minha mãe tem outra cabeça, ela lê os jornais todo dia, se atualiza, gosta das músicas de hoje, enfim, é uma pessoa aberta para o que a vida tem a oferecer.
A casa da minha mãe hoje é muito diferente da que tínhamos quando eu era criança, hoje ela é cheinha de flores, flores, flores pra todo lado, até nos banheiros tem flores, quadros, bibelôs e bibelôs, ai como eu gosto da casa da minha mãe, ai como eu amo minha mãe !!!