Sobre mim

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Contando Potoca


Minha mãe nasceu na Paraíba, em um sítio chamado "Cachorro Morto",
minha avó materna morreu do parto e ela sofreu por muito tempo com isso, não queria comemorar os aniversários.
Quando fui me entendendo por gente fui acabando com isso, "vamos comemorar o aniversário sim senhora", e ela, aos
poucos foi deixando de sofrer (pelo menos aparentemente) tanto por causa disso.

Minha mãe foi criada até os sete anos por minha bisavó Mãe Ana, quando minha bisavó morreu, minha mãe passou a morar com minha avó paterna, a qual ela cuidou até quando ela morreu. Ela contou sempre pra gente que tinha muita vontade de estudar,
mas as oportunidades foram poucas, ela precisava fazer os serviços da casa da "Alagoa de Cima".

Com tudo isso, minha mãe poderia ter ficado uma pessoa muito rude,
mas não ficou, minha mãe é um doce, aonde ela chega as pessoas derretem por ela, em todos os lugares que moramos durante a nossa vida e até hoje, os vizinhos eram apaixonados por ela, não só os vizinhos, como as empregadas, porteiros, zeladores, o prédio inteiro.

Quando éramos crianças e chegávamos do colégio ou da rua com algum "nome feio" ou palavra ou expressão que ela não gostava,
ela falava pra gente: "por que não aprendem o que eu falo ao invés de aprender o que ouvem aí fora?".
Bom, aí a gente ficava prestando atenção no que ela dizia, e aí vão algumas pérolas:

pessoa "frocadinha" - pessoa nervosa
pessoa "labrogeira" - pessoa desorganizada e que faz as coisas de qualquer jeito.
casal "amancebado" - casal que vive junto
"casar na igrejinha verde" - viver maritalmente
contando muita "potoca" - muita vantagem
pessoa "potoqueira" - que conta muita vantagem
"precundía" - tristeza
"que nem vintém na bacia do cego" - alegre
"mundiça" - bagunça, pessoa bagunceira ou mal educada.

E por aí vai, minha mãe é uma figura ...

sábado, 22 de setembro de 2007

São João


Quando eu estudava no Imaculada Conceição tinha uma colega de classe que tinha síndrome de Down.
Ela era bem maior que a gente, acho que devia ser mais velha, mas ela acompanhava as aulas, conversava, ria, era simpática. Tinha um andar esquisito e a voz era atrapalhada, mas nada demais.

Eu não sabia que estava fazendo uma coisa tão importante assim em dançar com aquela minha colega, que tinha isso demais?

Só muito mais tarde fui entender o preconceito que existe com relação às pessoas especiais, e sempre que vejo alguma menina assim, me lembro daquele São João.
Onde andará aquela menina?



Quando chegou o São João a professora mandou formar os pares para ensaiar a quadrilha. Gente !!! eu adoro São João, diga-se de passagem ... mas então ... e aí ninguém queria formar par com a menina (não lembro o nome dela) e ela começou a chorar.
Eu já tinha o meu par, mas mesmo assim falei para a professora que eu dançava com ela.
Pronto, a professora ficou aliviada e a brincadeira começou.


No dia da festa ... ai a festa, eu adorava aquela festa! ... minha mãe me arrumou toda bonita de roupa de caipira, a menina fazia papel do homem e foi de calça comprida. Até hoje adoro uma quadrilha, bom demais da conta !!!!
Gente, mas foi um aparato tão grande da família dessa menina comigo que eu fiquei assim sabe como? fiquei sem entender nada.
Depois que dançamos a quadrilha foi tanto abraço, tanto agradecimento, tanto confete que eu fiquei sem graça. Até aí eu ainda não sabia que estava fazendo uma coisa assim tão fantástica.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Rabiscos na Janela


Nossa casa não tinha quadros nas paredes, minha mãe não gostava de jeito nenhum, não admitia, detestava. E também não tinha porta-retratos, ela também não gostava, não permitia, não queria de jeito nenhum. Nossas fotos eram guardadas em uma caixa de sapato, e se eu falasse em colocar alguma foto em um porta-retrato, ai era um drama, "nem pensar!".

Quando a gente é criança a tendência é a gente "chupar" tudo o que aprendemos com os nossos pais, tudo o que vemos eles fazerem a gente aprende, copia e sente igual. É ou não é? é sim, principalmente naquela época, tudo o que os pais da gente diziam era lei, a gente absorvia e achava natural seguir aquelas coisas, sem questionar porque questionar dava um ar de insubordinação, de pecado, de desobediência, e isso eu não queria de jeito nenhum, eu que tinha um amor tão grande pela minha mãe, jamais queria que ela pensasse que eu queria pensar algo diferente dela. Durante toda a minha infância tive um processo simbiótico muito grande com a minha mãe, eu pensava que eu e ela éramos uma mesma pessoa, e por isso eu respirava tudo o que ela respirava, sentia tudo o que ela sentia, vivia tudo o que ela vivia. Então o natural era que eu tivesse crescido sem gostar de quadros, porta-retratos e todas essas coisas. Mas ...

... mesmo assim, com tudo isso, tinha certas coisas que meu lado subversivo me atormentava, oras bolas por que todo mundo tinha quadros nas paredes e eu não podia ter? e os porta-retratos? eu achava lindos os porta-retratos com aquelas caras sorridentes e tinha mó vontade de ter uns pela casa também. Mas ... fazer o quê né?

De vez em quando eu tentava, até me lembro de uma cabeça de cavalo de cacos de vidro que eu fiz na escola e falei pra ela que a professora tinha mandado pôr na parede. E ela pôs. Peguei ela !!!!

Pois é ... eu adorava quadros nas paredes, adorava riscar tudo o que eu via, meus cadernos eram todos grifados, desenhados, rabiscados.

Um dia eu estava sozinha em casa, todo mundo tinha saído, não sei de onde saiu aquilo na minha cabeça, mas eu me lembro que rabisquei com desenhos todo o vidro da janela do meu quarto, todinho, todinho, com caneta bic mesmo, ficou lindo. Ora, mas eu já sabia que minha mãe não gostava, por que cargas dágua eu pensei que ela ia gostar daquilo? pois é ... mas eu pensei, pensei que ela ia achar lindo também do mesmo jeito que eu estava achando.

Quando ela chegou da rua, pense !!! levei uma bronca daquelas e ainda tive o castigo de limpar tudo na mesma hora. Ô decepção !!!

Quando fui crescendo fui dando a volta nela, e logo logo a nossa casa tinha vários quadros nas paredes, e ... é claro, porta-retratos também. No começo eram pouquinhos, foi tudo aos pouquinhos. Hoje, a casa da minha mãe é apinhada de quadros, a maioria de minha autoria, e cheinha de porta-retratos, a maioria com fotos do Lucas.

Aprendo com isso que a vida da gente não precisa ser moldada pelos pais da gente, por mais que gostemos deles. Essa não é a única coisa que consegui mudar na minha mãe, muitas coisas consegui fazer ela enxergar, crescrer, se abrir para o belo e para a vida. É claro que tem o ponto positivo dela, porque tem muita gente que não consegue mudar, não muda e pronto.
A minha mãe tem outra cabeça, ela lê os jornais todo dia, se atualiza, gosta das músicas de hoje, enfim, é uma pessoa aberta para o que a vida tem a oferecer.
A casa da minha mãe hoje é muito diferente da que tínhamos quando eu era criança, hoje ela é cheinha de flores, flores, flores pra todo lado, até nos banheiros tem flores, quadros, bibelôs e bibelôs, ai como eu gosto da casa da minha mãe, ai como eu amo minha mãe !!!

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Marrom Glacê




Agora eu vou contar sobre o amor maior da minha vida: o marrom glacê ... ai o marrom glacê ...




Quando criança eu era ruim para comer, minha mãe cortava um dobrado para eu comer, mas eu só gostava mesmo era de doce... uuuummm doce!




Algodão doce, pipoca doce, goiabada, cocada, pé-de-moleque, paçoca, doce de leite, maria mole, doce de batata e de abóbora (aqueles em forma de coração), suspiro (aquele suspiro rosa lembra?), pirulito zorro (eita!), Chokito, Prestígio, etc. etc.




Por mim eu só comia doce, de qualquer tipo, mas eu só queria comer doce. É claro que Lozinha não deixava né? fazia malabarismo pra eu conseguir comer a comida.




E o marrom glacê era o meu preferido, como era bom quando tinha marrom glacê em casa!




Eu não me continha, não me contentava com um pedaço só, e depois do almoço, quando minha mãe distraía eu ia lá no "barzinho" e comia escondido.




O "barzinho" era um espaço fechado do armário no qual meu pai guardava bebidas, com o tempo minha mãe foi cortando de ele trazer bebidas pra casa e aí o "barzinho" virou o lugar onde minha mãe guardava doces.




Era uma sensação estranha pra mim fazer uma coisa escondido, porque minha mãe ensinava muito que a gente não devia fazer nada escondido um do outro, por isso aquela sensação de estar pecando contra os céus !!!




Até hoje eu não sei se minha mãe desconfiava, acho que sim porque tinha vezes que ficava faltando pouco para devorar a lata inteira. E hoje acho até que ela não ia se importar tanto, mas eu tinha mó medo dela brigar comigo porque eu tava comendo daquele tanto.




Hoje sempre que vejo marrom glacê no mercado me lembro da minha infância, mas evito comprar porque sei que não seguro a minha onda, continuo fissurada. E hoje em dia evito ao máximo comer doce, e isso não foi nada fácil, para mim é como um vício.


Li no livro "Mulheres que amam demais" que mulheres que foram filhas de alcoólatras e que não desenvolvem o alcoolismo desenvolvem a compulsão por doces. E eu sempre fui assim, compulsiva! perdidamente louca por doces.


Alguns médicos fazem ligação entre a enxaqueca que me acompanha e o tanto de doce que eu comi na minha vida, só os médicos holísticos né? porque os alopatas não perguntam nem o que eu como, só querem ir logo passando antidepressivo que eu não tomo nem debaixo de tapa. Prefiro a tortura de evitar os doces.






Outro dia Flávio comprou marrom glacê pra mim porque eu havia contado pra ele essa história e ele quis me fazer uma surpresa, ai que sensação de flashback ... enquanto o doce não acabou não tirei o olho da geladeira, ai ai ai bom demais !!!

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

As bonecas de papel




Eu tinha bonecas de papel, daquelas de trocar as roupinhas.
Um monte. Toda semana minha mãe deixava eu ir na banca comprar.
Colava as bonecas na porta do meu armário e ia trocando as roupinhas. Todo dia eu trocava.
De noite, quando ia dormir, ficava da minha cama olhando para minhas amiguinhas,
tinha uma, Valéria, que era a que eu achava mais linda, eu me projetava nela, pensava: quando eu tiver uma filha vai se chamar Valéria.

Uma vez eu cheguei em casa e tinha dois jogos de bonecas,
um dentro do outro, e eu só tinha comprado um.
Mostrei pra minha mãe, ela me mandou na mesma hora voltar na banca,
que era distante uns 100 metros lá de casa, e devolver a boneca que veio a mais.

E eu fui, sem saber que estava recebendo uma das muitas lições de honestidade que meus pais me deram sempre.
Lembro que cheguei lá na Banca com mó vergonha, e se o cara pensar que fui eu quem peguei?

Mas, surpresa, eu nunca pensei que isso ia acontecer.
O homem falou: "muito bem, bonita a sua atitude,
pode ficar com as duas."

Nunca, jamais na minha vida vou esquecer isso.

domingo, 12 de agosto de 2007

Rumo a Brasília


Fizemos a viagem de ônibus para Brasília. Era 1968 (o ano que não acabou), mês de julho, aliás perdemos um ano na escola por causa disso.




Naquela época, como até hoje, eu já gostava da cor laranja,tudo meu tinha que ser "cor-de-abóbora".


Nos livros que minha mãe comprava pra gente pintar o lápis laranja era o mais usado. Aliás pintar, ai gente, eu adorava pintar ... e como minha mãe pintava bem !!! nossa, quando ela pintava uma coisa era perfeito, e aquela perfeição dos traços me fascinava, mas, eu não sei porque, ela não gostava que a gente elogiasse, se eu dizia "mãe que lindo", ela não gostava, desconversava, sumia.


Mas eu acho que foi dali que nasceu o meu gosto para as artes. Nada na vida da gente vem do nada, tem que ter uma explicação. Esse meu gosto para arte eu sei que veio muito de mim mesma porque muito dessas coisas estão adormecidas dentro de nós desde que nascemos, mas eu acho que teve um toque, ainda que desproposital, da minha mãe.


Minha mãe tinha lá os traumas dela que eu não conhecia e hoje conheço um pouco, como ela não lidava bem com eles ela não se soltava, bordava muito bem mas nunca quis me ensinar: "menina, vai estudar!", naquela época eu não entendia bem isso, mas agora eu consigo ler um pouquinho da alma da minha mãe e sinto que simplesmente ela prendeu a artista. Não deu asas, prendeu.


Ela tinha um álbum com bordados cada um mais lindo que o outro, que eu adorava folhear, pois não há de ver que ela deu fim a esse álbum? jogou fora, pode ????!!!




Então, a viagem ... me lembro direitinho da roupa que eu usei naquela viagem.Calça de veludo laranja e uma bota laranja com aquelas penugens, sabe? pense !!!
pois então, eu me achei assim tão linda que nunca me esqueci daquela roupa.
A bota foi meu tio Zé que me deu de presente e a calça foi minha mãe que fez.




O ônibus não chegava nunca, para quem nunca tinha feito uma viagem maior, parecia a eternidade. Até que meu pai falou: "já estamos em Brasília." Eu e meu irmão corremos pra janela e só tinha mato, mato e mais mato, e mais mato. Meu irmão virou pro meu pai em tom de cobrança: "cadê os apartamentos"? Meus pais se entreolharam e riram baixinho, nunca nos esquecemos disso.




O apartamento até que teve, mas as demais coisas que meu pai prometeu sobre o paraíso que a gente ia viver em Brasília, rapaaaz !!! Meu irmão não sabia que essa era apenas a primeira das muitas cobranças que meu pai ainda ia ouvir sobre a tal Brasília ...




Até hoje adoro a cor laranja, uso em meus projetos de decoração sempre que meus clientes também gostam. É claro que não dá pra pintar um ambiente inteiro nem usar em grandes extensões porque o laranja é uma cor quente, mas em pequenos detalhes fica espetacular. Adoro a logomarca do Itaú. Na minha casa todos os utensílios da cozinha e pequenos adornos da casa a gente foi escolhendo laranja, se tiver laranja não compramos outra cor, todos os amados da minha vida já sabem: é o laranja.




Mais uma coisa sobre o meu gosto pelas artes. O meu pai. Pois é ... o meu pai. Meu pai tinha um ar sempre ausente, parecia estar sempre em outro mundo, um mundo só dele, e até conversava sozinho, fazia gestos, dava bronca, e a gente ficava só observando aquilo, até quando ele sentava na mesa pra almoçar com a gente era com o pensamento longe. Hoje quando vejo Lucas distraído pela casa penso que isso tem a ver com o jeito do avô. Até hoje meu pai é assim, acabamos acostumando. Mas sim, as artes ... o que eu queria dizer é que me lembro que meu pai fazia uns rabiscos abstratos em tudo que era pedacinho de papel que ele tinha pela frente, com caneta, uns quadrados dentro do outro, ligados, hoje eu acho que aquilo era pura arte, arte do inconsciente, mas naquela época eu não sabia o que era, mas me embevecia, eu achava aquilo lindo demais.


Outra coisa que ele fazia e que eu adorava: bonecos com a casca de melancia, ia esculpindo a casca da melancia com a faca e fazia bonecos engraçados, eu a-d-o-r-a-v-a !!!


sábado, 11 de agosto de 2007

O Jardim Tia Dida



Eu estudava no Jardim Tia Dida e meu irmão no Republicano.
Me lembro bem de um dia que estava conversando com minha colega e a professora deu um grito,
não entendi nada, é comigo que ela tá falando?
fomos pro castigo, eu e a minha colega, ficamos em pé viradas pra parede, mas eu não fiz nada, não conseguia entender que mal eu tinha feito pra humanidade, que coisa!


No primeiro dia de aula, me lembro que minha mãe demorou a vir buscar e meu irmão chorou, e eu fiquei consolando ele, me lembro tão bem desse dia como se fosse hoje, acho que é porque foi um momento em que eu senti um tipo de responsabilidade né? sei lá, mas ela chegou logo.




Me lembro que eu tocava reco-reco na bandinha e me lembro também da festa junina, desde aquela época eu já gostava.
E o cheiro de lápis de cera até o hoje me faz lembrar o cheiro da minha primeira sala de aula.


O uniforme, ai o uniforme ... era lindo o uniforme, era azul e tinha meu nome bordado, bordado pela minha mãe, ai que orgulho! E o do meu irmão era cáqui, muito feio, me lembro dele com aquele uniforme e a carinha sempre tristinha, meu irmão sempre teve um ar taciturno, por que será? houve um tempo em que eu culpava o meu pai por termos sido crianças tristes, o fato de que ele bebia e não ficava em casa, ficava pensando que aquele tempo que ele ficava no boteco ele estava roubando de mim e do meu irmão (e da minha mãe), era um tempo que ele podia estar com a gente. Mas essa fase já passou, hoje em dia eu acho besteira ficar culpando outros por nossas dificuldades, hoje eu acho que cada um de nós tem seu próprio poder pessoal independente do que os outros nos tenham feito.




Claro que eu poderia sentar no chão e ficar chorando as lágrimas de pena de mim mesma porque meu pai só bebia e minha mãe só chorava. Sim, porque eu fui criada assim, mas já levantei desse chão, hoje acho que meus pais souberam traçar as coisas com o melhor que eles tinham para oferecer, minha mãe o carinho e meu pai a honestidade, e ponto final. Sim, sobre a honestidade, digo que meu pai é meio desajeitado pra lidar com a vida, mas a honestidade ele passou pra gente. Como eu ia dizendo, acredito no nosso próprio poder pessoal e não culpo mais meu pai por termos tido uma infância assim meio tristinha. Bola pra frente, no final deu tudo certo.




Pois é, então ... a gente morava na Lima Drumond e estudavamos no Jardim Tia Dida e no Republicano, eu no jardim e meu irmão no primeiro ano.Um dia meu pai chegou com a notícia, íamos mudar pra Brasília.Eu tinha 6 anos e o meu irmão 7. Lembro que ele contava um monte de caô, que lá todo mundo ia ter carro, coisas e coisas.


Na nossa mente de criança, imagine o quanto sonhamos com essa tal de Brasília...

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Os Três Patetas

Até hoje não gosto de ver televisão.
Falo pro Lu que eu queria jogar todas as tvs aqui de casa pela janela.

O tal do Tom e Jerry, caramba que desenho bizarro, violento, horroroso,
só não é pior do que aquele outro do bip-bip.
Onde é que alguém foi inventar que crianças iam gostar daquilo?
O que se passava na cabeça de quem inventou essas coisas para crianças?
Ou será que é intencional mesmo a influência violenta que querem passar para as crianças?

Me lembro quando meu pai chegou em casa com uma televisão,
naquela época poucas pessoas tinham televisão.
Foi aquela emoção: "Papai posso botar no cinco?"
Era preto e branco, lógico, mas era a sensação, era bem grande e tinha botões grandes e redondos.

Mas a minha decepção veio cedo,
o tal dos "Três Patetas", gente como eu tinha medo daquilo,
corria e me escondia atrás do sofá, eu morria de medo daquele trem, credo !!!

Meu irmão não tinha medo, por isso minha mãe não podia apagar a televisão,
mas eu tremia de pavor.

Acho que é por isso que toda minha vida detestei televisão,
quando tinha televisão na sala de jantar lá de casa era uma confusão eterna
porque eu não queria almoçar ouvindo aquelas notícias: caiu um avião não sei onde,
uma bomba explodiu em bagdá ... ninguém merece comer ouvindo essas coisas.

Vou abrir uma exceção aqui, o programa Vila Sésamo, esse eu adorava, se estivesse com minha mãe na rua fazendo compras eu pedia pra ela apressar pra eu não perder, era muito bom, alegre, cheio de cores, didático e bem feito.
Mas a maioria dos programas feitos para crianças, francamente ...

Hoje não tem mais TV na sala na casa dos meus pais, mas tem uma em cada quarto ...
cruzes !!! e quando todo mundo liga ao mesmo tempo? cada um em um canal diferente?
Cara, ninguém merece isso !!!

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A Fogueira


Quanto meu primo Paulo foi para o exílio eu devia ter mais ou menos uns 4 anos.
Eu só sabia que ele era muito carinhoso comigo e com meu irmão, fora isso eu não entendia mais nada.
Ele era marinheiro e tinha uma namorada, a Rita, ele levava ela lá em casa, me lembro que ela tinha um cabelão,
o amor entre os dois era assim tipo de novela, eles eram muito alegres e felizes.

Um dia ele apareceu lá em casa correndo para uma despedida, e se foi.
Minha mãe chorou muito nesse dia junto com a Rita.

Foi então que meu pai reuniu todos os livros dele e fez uma fogueira no quintal.
Hoje me pergunto que livros seriam aqueles? ai como eu queria saber ... !!
Pensa que já não fiz essa pergunta pro meu pai? claro que fiz, mas em todas as vezes que perguntei a resposta era evasiva, "não sei", "não lembro" e tals. E vai ver ele não sabia mesmo.
"- Então por que queimou?"
"- Porque naquela época todo mundo tinha medo."
"- Ah entendi!"
Só muito tempo depois fui saber do exílio de Paulo Conserva em Cuba e México.
E quando veio a anistia lembrei dele, mas nunca mais ele apareceu.
Durante muito tempo víamos as tropas de choque passarem na rua, mas nem nessa época eu ainda não sabia direito o que estava acontecendo. Sabia que tinha alguma coisa muita estranha no ar, mas não sabia o que era.
Meu pai nunca falou com a gente sobre a Gloriosa, e na escola muito menos.

Recentemente sofri horrores assistindo ao filme Zuzu Angel,
quanta covardia gente ...

"Quem é essa mulher
que canta sempre o mesmo estribilho
só queria embalar seu filho
que mora na escuridão do mar..."


muito triste ...
E hoje o Lucas só fala em política, que o Renan Calheiros isso, que o Lula aquilo, que o Hugo Chavez, que a Marta, que o Gabeira, que os Democratas, que o Socialismo isso, que o Capitalismo aquilo .... e olha que ele só tem 15 anos, e diz que quer ser político ... ai ai ai ERA-SÓ-O-QUE-ME-FALTAVA.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

A Pedra

Aconteceu na Lima Drumond.
A gente só ouviu a gritaria do lado de fora, estávamos os quatro em casa.
O povo do lado de fora gritava pra gente sair de casa e ir pra rua.
Atrás da nossa casa havia um morro e, por causa da chuva, uma grande pedra estava descendo morro abaixo em direção à nossa casa.

Foi um pânico. O pânico foi tão grande que meu pai não conseguiu abrir o portão, todos pulamos o muro. Minha mãe pulou primeiro, depois meu pai levantou nós dois, eu e meu irmão, pros braços da minha mãe, depois meu pai pulou. Hoje na minha lógica de adulta, penso que se estávamos com medo daquela pedra atingir a nossa casa, deveríamos ter saído correndo para bem longe.
Mas não foi o que aconteceu, ficou o povo todo no meio da rua gritando e chorando. Pense numa choradeira! Até que a pedra parou, havia uma vala e a pedra enganchou nela, e parou. Naquela época acho que não rolava defesa civil não, e se tivesse não daria tempo. A pedra parou pela mão de Deus. E aí aos poucos as famílias foram voltando para suas casas.

Durante meses ficamos o dia todo ouvindo ao longe as marteladas naquela pedra, me lembro disso até hoje, aquele som lamurioso das batidas das marretas na pedra, acho que o governo mandou transformar aquela pedreira em brita ou sei lá, só sei que fizeram obras ali.

Meus pais nunca mais passaram a chave no portão. Antes eles fechavam porque o povo do morro vinha roubar água da torneira do jardim, depois disso não nos importamos mais, podiam pegar a vontade.

Depois que o sangue esfriou ficamos pensando como minha mãe pulou aquele muro tão rápido e com tanta facilidade? Até hoje a gente pensa nisso, o que o medo não faz com a gente! Por essas e outras é que não gosto de ouvir dizer "Ah eu não consigo!", não é bem assim não, a gente consegue sim, se for para salvar um filho a gente é capaz de coisas que não imagina.

Li uma vez uma reportagem em uma revista de uma senhora que levantou um carro sozinha porque o macaco quebrou e o carro estava esmagando o filho dela. A mulher conseguiu levantar um carro sozinha. Pense !!! Nós não temos noção da nossa capacidade, da nossa força interior, se tivéssemos seríamos bem menos vítimas, bem mais proativos e felizes.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

A Lima Drumond


Minha primeira infância foi na Rua Lima Drumond, no Rio de Janeiro, com meus pais Josias e Generosa e meu irmão Jorge Carlos.


Meu pai era da polícia militar, na qual serviu por mais de 30 anos. Eu era apaixonada pelo meu pai, buscava os chinelos pra ele tirar os sapatos quando ele chegava do trabalho, tudo o que ele dizia pra mim soava como a mais absoluta das verdades.


Minha mãe era jovem e bonita, me lembro bem dos doces de leite que ela fazia, as vezes a gente acordava de noite e ia todo mundo pra cozinha comer doce de leite, o doce era "puxa", era delicioso, ai como eu me lembro daquele doce!
Minha mãe sempre foi muito carinhosa, beijava e abraçava muito a gente.
Com ela aprendi a ler, foi em uma cartilha que ela comprou, a gente soletrava A-T-A-L-I-B-A, DA-LI-LA, eu adorava as aulas da minha mãe, me sentia importante por estar aprendendo algo, era uma sensação boa a bessa.
Meu irmão era fortinho e gostava de futebol, chorava muito quando meu pai saia porque ele sempre queria ir junto e meu pai não levava. Ele (meu irmão) era carinhoso ao extremo comigo, brincávamos juntos o dia inteiro, tínhamos um velocípede de caçamba, mas eu não gostava da caçamba, queria era dirigir o bicho. Nessa época meu irmão já era muito calado, a gente não brigava nunca, éramos companheiros e companheiros e companheiros sempre. Me lembro de nós dois nessa época quando ouço aquela música do Chico Buarque que ele fez pra irmã dele, a Miucha:

"Vem, me dê a mão, a gente agora já não tinha medo, no tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido ... "


Ah e eu tinha uma boneca "grande" chamada Juli, ela tinha o cabelo carapinhado vermelho e um vestido com quatro quadrados na frente que minha mãe que fez, eu adorava minha boneca "grande".


Eu gostava de subir nas árvores e por isso quando minha mãe colocava saia em mim eu chorava, só queria ficar de short, enquanto ela não me deixava trocar o vestido eu ficava amuada num canto, oras bolas como é que eu ia subir nas árvores de vestido?


Tinha o Javali, um cachorro tão feio coitado, um dia ele me derrubou no quintal e me machucou mas não foi nada demais, não fiquei com nenhum trauma de cachorro, poderia ter ficado né? mas não fiquei.
Por falar em quintal, tinha uma jaqueira enoooorme, não sei se é porque eu era criança, mas aquela árvore era imeeeeensa, e quando meu pai tirava jaca era uma festa.